“O Engenheiro Civil Português goza de uma reputação de excelência”

Ciclo de entrevistas a engenheiros Civis que durante o estado de emergência continuaram no ativo a construir o futuro. Um exclusivo da Plataforma da Notícias da Ordem dos Engenheiros – Região Norte (HaEngenharia.pt). 

PERFIL

Nome: Diogo Tamen 
Idade: 58
Perfil técnico: Ramo Estruturas
Empresa onde trabalha: Pestana Management, Serviços de Gestão, S.A. (Grupo Pestana)
Função: Director de Serviços Técnicos e Manutenção de Portugal e África
 
As atuais restrições devido à Covid-19 tiveram impacto na sua atividade profissional? A que nível?
Quem não as teve / terá?…..  Desde logo porque o objectivo do Turismo se desvaneceu em dias. Os clientes desapareceram, as companhias aéreas deixaram praticamente de operar, pessoas e bens passaram ter limitações de circulação. Numa palavra a pandemia instalou-se! Começámos por uma fase de deslastre abrupto da actividade e progressivamente foi necessário assegurar o fecho das unidades e estaleiros de obra num regime de reforço das condições de segurança sanitária e física de Clientes e Trabalhadores – que ainda permaneciam nas instalações.
Nos dias seguintes, mediante a informação sistematizada que o Grupo possui, revelou-se aconselhável o encerramento da generalidade das unidades hoteleiras e obras. Iniciou-se então uma fase de preparação desta nova realidade convertendo ainda algumas para o alojamento de pessoal médico.
Novos planos de manutenção preventiva e curativa e medidas tendentes ao controlo apertado de cuidados sanitários, consumos e vigilância tiveram de ser implementados em todas as unidades. Simultaneamente houve que realocar os recursos humanos e físicos de modo a reforçar as crescentes necessidades de apoio social sentidas, sempre garantindo o rendimento a todos os trabalhadores. Novas regras  de distanciamento entre pessoas, passagem da restauração a “Takeaways”, encerramento de piscinas, SPA e Ginásios, higienização e desinfecção das instalações são exemplos nas unidades hoteleiras; redução do número de efectivos nas actividades em curso, reforços dos seus EPI, angariação de materiais e equipamentos em condições de transporte fortemente condicionadas, antecipação de pagamentos e renegociação de contratos com fornecedores são exemplos nos estaleiros de obra (algumas ainda em curso); trabalho com equipas reduzidas / alternantes e ou, em teletrabalho, passagem de todas as reuniões por recurso a meios informáticos, suspensão de contratos por nível de urgência, são exemplos de medidas empreendidas nos serviços centrais partilhados.
 
Que medidas foram tomadas para se manter no ativo e o seu posto de trabalho?
Após as referidas fases de deslastre da actividade turística, encerramento das unidades e reorganização de recursos, e o estabelecimento do novo planeamento de actuação, decidi entrar em período de Férias e posteriormente (a partir do dia 16.04.2020) em suspensão parcial do contrato de trabalho – vulgo Layoff parcial.
De realçar que estas medidas (e outras, como a redução dos salários da Administração) foram empreendidas pela generalidade dos trabalhadores do Grupo Pestana, cientes de que estas seriam a forma mais eficaz de reduzir os custos fixos da organização e assim melhor prepará-la para o futuro em condições de igualdade com os restantes parceiros de actividade.
O reforço da comunicação (por meios informáticos) com as equipas na minha dependência funcional, e em especial com a Administração e outros departamentos da empresa, tem-se também verificado fundamental para uma gestão concertada e organizada. Da mesma forma a empresa dinamizou várias acções de formação para os seus trabalhadores.
De referir por último que a Gestão do Grupo Pestana, mesmo em tempo de “Vacas Gordas”, sempre foi cautelosa, rigorosa (o que nos permitiu atravessar outras crises com relativa tranquilidade). Estou, pois, convicto que, possuímos condições de robustez financeira e patrimonial que nos vão permitir adaptar o futuro e que, todos juntos, voltaremos à actividade mas mais fortes!
Terminada esta fase, como irá adaptar-se para retomar o seu trabalho em pleno?
Honestamente não sinto que a presente crise se tenha traduzido numa redução da atenção e dedicação necessária à empresa. Acredito sim, que a retoma vai ser lenta e obrigará ao reforço das mesmas, porventura com natureza distinta. Neste contexto o Grupo Pestana lançou já um desafio global na sua plataforma “Envision” para que todos dêem ideias e sugestões de adaptação das suas actividades. Por outro lado, todos têm a obrigação de estar atentos à evolução da situação em todo o mundo (em especial na nossa actividade) bem como para as várias soluções encontradas contribuindo para a decisão de adaptação que se prevê. “Pelas costas dos outros veremos as nossas” e quem não se adaptar e potencializar a retoma certamente terá grandes dificuldades.
Na sua opinião, que efeitos terá este período na atividade do Engenheiro Civil?
Como é sabido a atividade do Engenheiro Civil está estritamente relacionada com a actividade económica. Todos indicadores actuais apontam para um aumento do desemprego, uma redução da capacidade de investimento particular, uma canalização do investimento público para assegurar serviços básicos (Educação, Saúde, Trabalho, Justiça, Segurança). Serão, pois, de prever menos projectos, menos obras, numa palavra: menos trabalho para o engenheiro Civil. Contudo, em Portugal, temos verificado nos últimos tempos uma redução da quantidade de Técnicos de Engenharia Civil, a que não é alheio um sistema económico que visa prioritariamente o lucro fácil, por processos nem sempre claros e cada vez mais dedicado apenas a projectos com rápido retorno onde muitas vezes se ignoram competências. Pode esta conjuntura constituir uma vantagem futura para o Engenheiro Civil Português que goza de uma reputação de excelência, também em termos internacionais para projctos estruturantes? Uma coisa é certa temos de nos adaptar!
 
Que recomendações, sugestões ou tipo de ações entende que poderão minimizar o impacto negativo na Engenharia Civil?
Se o actual cenário não é risonho em termos económicos (e tudo indica que irá ter um forte impacto na Engenharia Civil) convém não esquecer as oportunidades que certamente surgirão.
Abaixo listo algumas das áreas em que valerá a pena estar atento:
– O investimento público será certamente canalizado para projectos de “necessidade social”. Todos reconhecemos que muito existe por fazer / requalificar. Deve o Engenheiro Civil aproveitar este período para pensar e planear o reordenamento do território em colaboração com os destinatários, antes de se lançarem projectos e obras estruturantes;
– Se a construção nova certamente diminuirá, não potencializará também a reabilitação e manutenção de muito do património edificado existente, a qual pode ser feita a menor custo?
– A conjuntura económica certamente abrirá possibilidades de compra e venda de património a custos inferiores aos actuais. Pode o Engenheiro Civil assessorar Investidores;
– Qualidade nem sempre é sinónimo de custo. Ao Engenheiro Civil cumpre inovar/projectar processos de execução mais simples, mais duráveis, com menores necessidades de intervenção humana nos processos construtivos e que, deixem campo para a melhoria dos seus honorários;
Reciclar, projectar materiais, processos construtivos / construções amigas do ambiente e energeticamente menos exigentes / duráveis são obrigação do Engenheiro Civil para com o futuro;
Privilegiar materiais, equipamentos e mão-de-obra Portuguesa é uma forma de ajudar o País;
– O Engenheiro Civil deve promover e colaborar com as entidades licenciadoras na revisão legislativa que agilize e limite temporalmente os processos de licenciamento, mesmo que por reforço das responsabilidades dos Técnicos e sua Fiscalização. Só assim é possível agilizar o investimento e a economia.
 Que outra mensagem gostaria de deixar a quem irá ler esta entrevista.
“Eterno é tudo aquilo que dura uma fracção de segundo, mas com tamanha intensidade que se petrifica e nenhuma força o resgata”
 

PERFIL

Nome: Pedro Araújo
Idade: 36
Empresa: Auto-EstradasXXI – Subconcessionária Transmontana, S.A.
Função: Diretor Geral
 
 
As atuais restrições devido à covid-19 e o impacto na sua atividade profissional? A que nível?
A pandemia de Covid-19 tem um efeito muito negativo no setor das infraestruturas, nomeadamente nas autoestradas, visto que as medidas de confinamento e de restrição de circulação que foram impostas fizeram reduzir significativamente o tráfego rodoviário. Não obstante, sendo a principal missão da AEXXI prestar o melhor serviço a todos os utentes que circulam nas vias subconcessionadas, tivemos de implementar planos de contingência adequados, de modo a assegurar a operação de forma adaptada à situação, sempre mantendo operativos os serviços essenciais para os nossos utilizadores e garantindo e zelando pelas condições de circulação e segurança da Autoestrada Transmontana. Neste contexto e apesar do efeito significativo ao nível de negócio, em termos de operações e atividade profissional, as restrições devido à covid19 obrigaram à implementação de um Plano de Contingência robusto, de forma a garantir que todos os trabalhos eram realizados de igual forma, mas salvaguardando todas as medidas e orientações emitidas pela Direção Geral de Saúde (DGS).
 
Que medidas foram tomadas pela organização para se manter no ativo e na sua função?
Fruto de um projeto de digitalização de todas as operações realizadas pela AEXXI que já tinha sido implementado na empresa entre 2015 e 2017, posso afirmar que as condicionantes introduzidas pela pandemia do Covid19 foram mais relacionadas com os comportamentos pessoais do que propriamente relativas a questões operacionais. Deste modo, foi implementado na AEXXI o teletrabalho para todas as funções que o permitiam, assegurando a organização que todas as pessoas tinham os meios e os acessos necessários para a realização das suas funções a partir de casa. A grande mudança verificou-se, assim, a um nível mais cultural, em termos de gestão de pessoas, com a implementação de reuniões periódicas à distância e utilizando meios telemáticos, em vez das habituais reuniões presenciais. Não obstante, não foi possível implementar o teletrabalho em departamentos como o Centro de Controlo de Tráfego, Assistência e Vigilância e Manutenção. Nestes casos, onde as operações são praticamente suportadas a 100% por meios de comunicação digitais e remotos, o Plano de Contingência preconizou uma reorganização de turnos de trabalho, reforço de meios de proteção individual, adaptação das instalações, viaturas e equipamentos, de modo a assegurar que todos os trabalhos continuavam a ser realizados, mas com uma redução significativa dos contactos entre pessoas e equipas, minimizando-se assim o risco de possíveis contágios dentro da organização.
 
Terminada esta fase como irá adaptar-se para retomar o seu posto de trabalho? Alterações na forma de trabalhar da organização?
A crise provocada pela Covid19 naturalmente irá obrigar a uma mudança de hábitos sociais e profissionais a todas as pessoas e em todas as funções. Os hábitos sociais que são muitas vezes característicos da nossa forma de ser terão forçosamente que ser repensados e acredito que esta é a grande adaptação de todas as pessoas quando forem retomados os postos de trabalho, porque o distanciamento social irá permanecer mais algum tempo e pode até vir a ser a regra daqui para o futuro. Este distanciamento social obrigou a generalidade das pessoas a ultrapassar o bloqueio da questão da distância, do comando pessoal e presencial. Acredito também que a necessidade de reforço da componente digital e de inovação nas empresas será uma conclusão óbvia desta crise. Para uma organização como a AEXXI, onde já tinha sido implementado um projeto de digitalização e que já tinha uma cultura de inovação e de novas formas de fazer as coisas, a transição, posso admitir, foi bastante pacífica. Deste modo, com relativa normalidade,  a AEXXI tem vindo a manter as suas atividades essenciais durante este período e, apesar das dificuldades, conseguiu cumprir com as metas a que se propôs e com todas as suas obrigações, confirmando que estas novas formas de trabalhar são exequíveis, que são igualmente produtivas, abrindo as portas para que as organizações possam mudar, possa haver maior confiança entre as pessoas, possa aumentar o nível de liderança dentro das organizações e um maior espírito de equipa. Adicionalmente e acima de tudo, poderá resultar numa melhor conciliação das vidas pessoais e profissionais para o futuro, incrementando o ambiente, motivação e satisfação de todos os trabalhadores que estão comprovadamente associados a melhores resultados económico-financeiros para as organizações.
 
Na sua opinião que efeitos terá este período na atividade do engenheiro civil?
A atividade de engenharia civil, mais concretamente aquela ligada à produção e operações, creio que terá aqui uma oportunidade chave para dar um passo em frente. A perceção que existe é que nestas atividades está ainda muito enraizada a forma de trabalhar de sempre, hierarquizada com as metodologias verticais e rígidas, típicas das empresas de engenharia. No entanto, este período muito marcado pelo trabalho à distância deveria obrigar as pessoas a refletir e a ponderar se, com o apoio das tecnologias de informação e comunicação que existem, as novas metodologias de trabalho e de gestão de projetos (por exemplo seguindo as filosofias LEAN e AGILE) que, com tanto sucesso, têm sido introduzidas noutros setores, não poderão e deverão ser a aposta de futuro também para a Engenharia Civil. Estas metodologias estão baseadas num crescente trabalho e dinâmica de equipa, maior responsabilização de todas as pessoas enquanto líderes individuais nas suas funções, processos de trabalho bem definidos, mas também uma maior liberdade e adaptação das equipas de trabalho e organizações para fazer face às cada vez maiores exigências e mutações provocadas, não só pelas necessidades dos clientes, mas também pela sociedade em geral.
Que recomendações, sugestões ou tipo de ações entende que poderão minimizar o impacto negativo na engenharia civil?
Considerando este um tempo de mudança de hábitos pessoais e formas de atuar e fazer as coisas, acredito que o repto da engenharia civil será utilizar este impacto para uma retrospeção e desenvolvimento de mais e melhor inovação no setor, não só para um desenvolvimento sustentável da atividade, mas também em vista de uma nova criação de valor através da inovação e de uma nova cultura e mentalidade que permitam dinamizar a engenharia civil, reabilitando-a como uma área atrativa para as novas gerações e, acima de tudo, recuperando uma preponderância que parece cada vez mais reduzida face, não só ao que já foi, mas ao que poderia e deveria ser na sociedade.
Que outra mensagem gostaria de deixar a quem irá ler esta entrevista?
Sem dúvida que estes são tempos estranhos e difíceis para todos, tempos que nunca antes tínhamos vivido, tempos que a maioria de nós pensava ser impossível vir a vivenciar. Estes tempos obrigarão seguramente a mudanças na forma como vivemos, convivemos e trabalhamos.  Nestas circunstâncias, o mais fácil é vivermos de lamentações, do mal ou bem que os números parecem e acima de tudo dos problemas que enfrentamos. No entanto, por cada problema que existe e cada nova necessidade que temos, também é uma oportunidade para aprender, mudar e acima de tudo melhorar, pois aquilo que eu acho que todos devemos fazer é olhar para a frente com um sentido positivo e pensar que existem novas formas de viver e trabalhar que podem ser melhores que as anteriores e que são essas novas formas de ver a vida, o trabalho e a sociedade em geral que devemos ter em mente para construirmos um mundo cada vez melhor no pós-Covid-19.
 

Se é engenheiro civil e quiser participar neste ciclo de entrevistas envie um email para: civil@civil.pt

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